terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

MPF contra a censura na internet





A Advocacia Geral da União, órgão que representa judicialmente e extrajudicialmente os interesses da União e exerce as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos ao Poder Executivo, ajuizou ação civil pública perante a Justiça Federal de Goiás pedindo que o microblog Twitter retirasse do ar ou bloqueasse todas as contas que difundem informações sobre os locais, dia e horários das blitze policiais realizadas em Goiás.


Pelo Twitter, diversos perfis como o @LeiSeca, por exemplo, avisam os locais e horários das blitze, alertando os outros usuários. É a versão eletrônica do velho sinalzinho de farol dado nas estradas com a mesma finalidade.

Em longa e consistente manifestação, que começa traçando um histórico da comunicação humana e da internet, o Ministério Público Federal em Goiás, pelo Procurador da República Ailton Benedito de Souza, conclui que a ação deve ser liminarmente indeferida, já que:

a) a petição inicial da demanda é inepta, porque não atende completamente os requisitos fixados pelo Código de Processo civil;

b) a pretensão da Advocacia Geral da União veiculada não guarda interesse útil à alteração da realidade prática; e

c) a mesma pretensão não acha guarida no ordenamento jurídico; mais que isso, até, a sua possibilidade é
rechaçada peremptoriamente pela Constituição Federal, pela Convenção Americana dos Direitos Humanos.

Ailton Benedito chama a atenção para o fato de que a pretensão é descabida, na medida em que:

"Além de tudo isso, se o Estado-governo pretende proibir o conteúdo das mensagens na internet sobre trânsito, obrigar-se-ia a proibir todas as estações de rádio que se dedicam (algumas com exclusividade) a noticiar exatamente os incidentes de trânsito – aí incluídas as blitzes. Mas quem controlaria conteúdo das mensagens da internet? Novos censores? Visando tornar efetiva a pretensão, se fosse acolhida, necessitaria ser tão abrangente e profunda, que os “censores”
precisariam vasculhar o conteúdo de todas aquelas redes sociais enumeradas alhures e infinitas outras, as mensagens do Twitter, todos os e-mails, todos os SMSs, BBMs, Facebook etc."


Um dos fundamentos da ação proposta pelo Governo Federal é que, avisando das blitze pelo Twitter, os usuários estariam colaborando para os acidentes e incorrendo em alguns crimes. O MPF desconstrói a argumentação:

"Quantos acidentes de trânsito foram causados pela ingestão de álcool? 30%? E os outros 70%, foram causados pela ingestão de água? Proibir-se-á que se beba água? Quantos acidentes foram
causados pela má conservação das rodovias federais? O que a UNIÃO FEDERAL, pela sua Advocacia-Geral, pretende que se faça com as autoridades federais que, omitindo-se de cumprirem os seus deveres-poderes, concorrem para acidentes automobilísticos? Pretende impedir
que elas gastem o tempo navegando na internet?

(...)
Por outro lado, igualmente, não é de se ignorar os tipos penais incriminadores, sobretudo o Código Penal, artigo 265 e 348, bem assim do Código de Trânsito Brasileiro, artigos 306 e 310; como
ainda os tipos administrativos sancionadores dos artigos 165, 210 e 230 do mesmo Estatuto de Trânsito, que a UNIÃO FEDERAL, pela sua Advocacia-Geral, invoca como suporte da sua pretensão. Nenhuma das normas desses dispositivos é apta a corroborar a alegada ilicitude da
troca de informações sobre o trânsito de veículos automotivos por qualquer meio de comunicação, inclusive, frise-se, pela internet. Essa conduta, nem se utilizando das mais elásticas possibilidades
interpretativas do Direito, ajusta-se tipificamente àqueles diplomas legais."




Você pode ler a íntegra dessa manifestação e notícia do MPF/GO aqui:
http://www.prgo.mpf.gov.br/direitos-do-cidadao/noticias/895-mpfgo-contrapoe-se-a-censura-na-internet.html


NOTAS DO BLOG:

1. O Twitter é uma rede social cujo símbolo é esse passarinho azul da figura aí em cima. Os usuários podem postar mensagens de até 140 caracteres. Entre lá: www.twitter.com

2. A imagem foi retirada do site http://blog.basesoft.com.br/blog/2012/02/10/brasil-pode-ser-o-primeiro-pais-a-adotar-censura-do-twitter/ , um dos milhares que noticiaram a tentativa do Governo Federal de censurar a internet no Brasil.


Um comentário:

  1. A peça do procurador é um libelo à democracia. Uma aula de Direito, inclusive para mim que não tenho nenhum verso nas letras da lei. E uma aula de direitos. Não se trata, somente, de quem comete a infração. Trata-se dos direitos de quem não as comete. Sou a favor de campanhas educativas, para que então o internauta deixe de postar sobre blitze. É o que eu faço, sem necessidade de nenhuma lei que tire outras liberdades. Que o estado-governo invista em formar a civilização pela educação, pelos costumes, a la Montesquieu. Inclusive nas redes sociais. Apesar da sujeição à falhas por ser formado por seres de carne e osso, falíveis por natureza, o MPF é, ainda, uma das poucas instituições "destepaiz" em que vale a pena confiar.

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