segunda-feira, 29 de abril de 2013

A PEC 37 e a polícia imparcial

Transcrevo abaixo artigo do Procurador da República BRUNO FREIRE DE CARVALHO CALABRICH publicado no jornal Correio Braziliense de hoje, 29/4/2013, Caderno Direito & Justiça, pág. 3.

Na edição de ontem do mesmo jornal, transcrita a seguir, veja quais são os Deputados do lobby anti-MP.

A PEC 37 e a polícia imparcial

Bruno Calabrich  
Procurador da República no Distrito Federal, mestre em Direitos e Garantias Fundamentais, professor da Escola Superior do Ministério Público da União, membro do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura do Ministério da Justiça

A proposta de emenda constitucional (PEC) n.º 37 — famigerada tentativa de alteração da Constituição para proibir o Ministério Público e outros órgãos de realizar investigações criminais, tornando-as de atribuição exclusiva da polícia — tem como argumento central, segundo seus defensores, a ideia de que “a investigação deve ser conduzida por um órgão imparcial”. O Ministério Público, que é a parte autora no processo penal (quem acusa), não teria a imparcialidade necessária — qualidade que apenas os delegados de polícia possuem. “Quem acusa não pode investigar”, dizem. Trata-se de uma bela frase de efeito, mas juridicamente vazia de sentido, ao menos no Brasil.

A Constituição de 1988 adotou um modelo processual penal chamado de “acusatório”. Esse modelo, hoje consagrado em quase todo o mundo, tem como caraterística principal a separação de funções dentro do processo criminal: acusação, defesa e julgamento. Seus princípios elementares são assim resumidos: “quem acusa não pode julgar”, “quem defende não pode julgar” e “quem julga não pode acusar nem defender”. Nesse quadro, o único sujeito verdadeiramente imparcial é o juiz; Ministério Público e réu (com seu advogado) são as partes do processo.

Na fase de investigação, que antecede o processo criminal propriamente dito, é absolutamente equivocado falar em "partes". Como qualquer outra espécie de investigação, inquérito policial não é processo. Não há acusador, nem acusado, nem julgamento. Partes só existem no processo.

O princípio que sustenta o modelo processual acusatório é o de que “quem acusa não pode julgar”. Nunca se afirmou, em nenhum outro país que adota o mesmo modelo, que “quem acusa não pode investigar”. Na verdade, no modelo acusatório, o princípio é justamente o oposto: quem acusa deve investigar (ou melhor, deve poder investigar, quando necessário). Quem acusa não pode fazer acusações levianas — ou seja, precisa de provas —, mas, também, não pode deixar de acusar apenas porque a polícia não fez bem o seu trabalho.

Ao alegar a "imparcialidade da polícia", talvez os defensores da PEC estejam utilizando a palavra "imparcialidade" no sentido leigo, de "isenção". Nesse caso, o defeito da alegação é ainda mais grave. Polícia isenta, no Brasil? É notório que nossas polícias, lamentavelmente, ainda ostentam elevados índices de desrespeito a garantias dos investigados e de violações a direitos humanos (não se pode dizer o mesmo do Ministério Público). Vejam-se, por exemplo, as notícias sobre grupos de extermínio Brasil afora. Além disso, por serem as responsáveis pela prisão em flagrante e por estarem na linha de frente da repressão ao crime, é particularmente tentador, para as polícias, o esforço para a confirmação da culpa daqueles que prenderam ou indiciaram — afinal de contas, caso seus investigados sejam inocentados, aquele que investigou poderá ser responsabilizado por eventuais abusos.

Nesse sentido, a imparcialidade (ou isenção) é um atributo muito mais evidente no Ministério Público. São muito comuns os casos de absolvição pedidos pelo próprio MP (no caso mensalão, três acusados foram absolvidos a seu pedido) e mais comuns ainda os casos de arquivamento da investigação — sempre pelo MP — por insuficiência de provas, mesmo contrariando as conclusões da polícia. Nos manuais de processo penal, costuma-se ensinar que o MP é uma “parte imparcial", precisamente por não estar vinculado à obrigação de pedir a condenação custe o que custar. A figura do promotor como "acusador implacável" está superada há muito tempo. O que move o Ministério Público é a promoção da justiça, seja para absolver, seja para condenar.

É sabido que as polícias brasileiras são muito pouco eficientes na solução de crimes (noutros países a resolutividade ultrapassa 90%; aqui, não chega a 10%). Tudo o que os brasileiros esperam é que seja ao menos diminuída a gritante impunidade em nosso país. Conferir exclusividade da investigação a apenas um órgão, a pretexto de uma suposta (e inexistente) imparcialidade, definitivamente não atende aos anseios da sociedade.
-------------------------------------------------
28 de abril de 2013
MPF | Correio Braziliense | Política | BR

Lobby da bancada anti-MP

Bruno Peres/CB/D.A Press - 2/5/12

Relator da PEC na Comissão de Constituição e Justiça, Arnaldo Faria de Sá diz que investigação do MP é "abusiva"
Defensores da proposta de emenda à Constituição que impede o Ministério Público de investigar crimes pressionam o presidente da Câmara

Juliana Colares

Na tensa discussão sobre a PEC 37, delegados de polícia e integrantes do Ministério Público não devem chegar a um consenso na reunião marcada para a próxima terça-feira pelo presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Com forte mobilização dentro da Casa, o lobby dos delegados conseguiu reunir cerca de 270 assinaturas de deputados federais que defendem que a matéria vá à votação em plenário, segundo a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol). A lista foi entregue na última quarta-feira ao presidente da Casa.

Derrotado na comissão especial criada para analisar a proposta de emenda à Constituição que dá a policiais civis e federais a exclusividade na apuração de infrações criminais, o MP, que não quer se ver impedido de atuar nesse tipo de investigação, tenta conquistar a opinião pública e os parlamentares. Como a votação é aberta, promotores e procuradores têm esperança de que os deputados que ainda não têm posicionamento fechado sobre o assunto sintam-se constrangidos para votar a favor da PEC. Na Câmara, seis deputados que ocupam cargos de liderança respondem a inquérito no Supremo Tribunal Federal, denunciados pelo MP. Para aprovar uma PEC na Câmara, são necessários 308 votos favoráveis, em dois turnos de votação.

Na última quarta-feira, após se reunir separadamente com delegados e integrantes do MP, Eduardo Alves admitiu que está sob forte pressão para colocar a proposta em votação no plenário. Até o momento, no entanto, o assunto não foi discutido na reunião de líderes. Mesmo assim, Alves garantiu que, com ou sem consenso, a matéria será votada em junho. Nos corredores da Câmara, Lourival Mendes (PTdoB-MA), João Campos (PSDB-GO) e Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) são apontados como os principais articuladores da PEC 37. Os dois primeiros são delegados de polícia. E Faria de Sá é muito amigo do vice-presidente da Adepol, Carlos Eduardo Benito Jorge. Mendes é o autor da PEC. Arnaldo Faria de Sá foi o relator da proposta na Comissão de Constituição e Justiça e presidente da comissão especial criada para analisar o mérito da proposição.

O delegado Benito Jorge, que deve participar da reunião da próxima terça, é um dos mais empenhados defensores da PEC que impede o MP de conduzir investigações criminais. “Hoje, há 98 ações no STF questionando a legitimidade das investigações feitas por eles (procuradores do MP). Só nos casos de holofote eles querem investigar? Eles fazem provas direcionadas. Nós (a polícia) não fazemos isso. Nós buscamos a prova real dentro do inquérito policial. Eles querem investigar, mas quem vai investigar o MP?”, questionou.

Os defensores da emenda estão confiantes, apesar da forte campanha contra a proposta, que já é conhecida como PEC da Impunidade. “A investigação criminal tem que ser feita pela polícia. O Ministério Público tem que denunciar. A investigação tem sido feita pelo MP de forma abusiva, já que não há previsão constitucional para isso”, defendeu Arnaldo Faria de Sá. Ele negou, porém, ser um dos articuladores da PEC na Casa.
 
“Insanidade”
Na última quarta-feira, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, reforçou as críticas à proposta de emenda à Constituição. “Num país em que a impunidade é imensa e a corrupção grassa por todos os lados, querer concentrar o poder investigatório em uma instituição é uma loucura, uma insanidade”, declarou. No mesmo dia, o ministro aposentado do STF Ayres Britto disse que a PEC é uma hecatombe. “Não há como recusar ao Ministério Público o poder de investigação. É um atentado à ordem jurídica”, concluiu.

Se aprovada na Câmara, a proposta seguirá para o Senado, onde a articulação pela aprovação da medida já começou a ser feita, ainda que de forma menos intensa. Se for aprovada em definitivo, a previsão é que o impasse acabe na Suprema Corte. Em julho do ano passado, segundo levantamento feito pelo site Congresso em Foco, 160 deputados e 31 senadores eram alvo de inquéritos e ações penais no STF. De acordo com o promotor Marcelo Mendroni, de São Paulo, a PEC 37 está na contramão do que vem sendo feito em países desenvolvidos, que estão fortalecendo o poder de investigação dos ministérios públicos. Na Itália, por exemplo, o promotor pode, inclusive, autorizar escuta telefônica emergencial sem consultar previamente um juiz.

“Não há como recusar ao Ministério Público o poder de investigação. É um atentado à ordem jurídica” Ayres Britto, ex-ministro do STF

2 comentários: